sexta-feira, 6 de abril de 2012

Memórias – Varal das lembranças: A Ditadura Militar de 1964 no Brasil e seus Informantes - Pedro Vicente Costa Sobrinho

gbutzke.blogspot.com

Mesmo que tardio, ao ver recentemente o filme “A vida dos Outros” (2006), dirigido pelo cineasta alemão Florian Henckel Von Donnersmarck, que tem como motivo central  revelar ao público as entranhas do que foi o diabólico sistema  de espionagem conduzido pela Stasi, polícia política da Alemanha Oriental nos idos do comunismo, eu me senti de súbito movido  a editar, sem ressalvas, o dossiê sobre parte de minha trajetória de vida política  que foi elaborado pelos órgãos ditos de inteligência da Ditadura Militar,  tendo por base o relato de informantes e agentes da Polícia Federal e do Serviço Nacional de Informações (SNI). O dossiê não é completo, porque é uma reunião de fragmentos e sínteses de relatos mais extensos, de cujo inteiro teor eu tenciono certamente resgatar pessoalmente junto a Agência Brasileira de Inteligência do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, em Brasília. Espero que eu tenha igual transparência de trato que,  após a queda do Muro de Berlim, recebeu o personagem do referido filme, e, então, me seja permitido cabal acesso a esses relatos dos meus ocultos informantes, pois nunca me dei conta  de que estava sendo sistematicamente vigiado e observado por eles, e de que minhas simples e limitadas ações eram tidas como perigosas para estabilidade da ordem institucionalizada pela ditadura militar.  Eis o que se diz no dossiê sem o preâmbulo, com as qualificações de praxe.  ... Em conformidade com a portaria n° 510, de 16 de novembro de 2000 (...) é certificado que, nos arquivos sob custódia desta Agência, há registros sobre fatos e situações com as seguintes informações:

Foi delegado regional do Serviço Social do Comércio no Acre (SESC/AC); professor de Sociologia e Diretor do Departamento de Filosofia e Ciências naturais da Universidade Federal do Acre (UFAC); membro e 1° vice-presidente da Comissão Regional Provisória do Partido Comunista Brasileiro do Acre e, membro do Conselho Editorial da revista Novos Rumos.

Em l2 mar. 1981, foi um dos que recepcionaram no Aeroporto de Rio Branco/AC o presidente nacional do Partido Democrático Trabalhista (PDT) que, (digo eu Leonel Brizola) durante sua estada na capital acreana, conferiu poderes a um grupo regional, integrado pelo requerente, para orientar a estruturação do partido no estado.

Em 17 mar. 1981, participou de uma reunião da Associação dos Docentes da UFAC, realizada no campus da Universidade.

Em abr. 1981, foi relacionado entre as principais pessoas envolvidas com o Movimento Estudantil (ME) no Acre.

Fez a abertura do seminário sobre O Teatro na Realidade Amazônica, realizado no período de 1° a 15 de set. 1981, em Rio Branco/AC.

Em set. 1981, o requerente, como delegado do Sesc-Senac/AC e professor da UFAC, foi objeto de diversos documentos elaborados pelo Serviço de Informações da Superintendência Regional do Departamento de Polícia Federal do Acre (SI/SR/DPF/AC), por seu envolvimento com grupos contestatórios no estado, por suas ligações e atuação junto à subversão, não só quando ainda morava no Rio Grande do  Norte, onde pertenceu ao PCB, como no Acre. Nesse estado, ocupou cargo de vital importância na formação de jovens, seja no Sesc, Senac ou na UFAC, usando tais repartições para seleção de jovens para compor os quadros de grupos de esquerda acreanos, e meios e recursos de tais órgãos públicos para atender interesses de grupos contestatórios ao governo,. Ainda, de acordo com os  mesmos documentos, havia montado um bar em Rio Branco/AC, denominado “Casarão”, local que servia de encontro para pessoas de esquerda, pederastas, prostitutas e viciados em drogas, o qual administrava pessoalmente, até altas horas da madrugada, demonstrando assim o baixo nível de interesse pela formação da juventude acreana. Fazia propaganda de seu bar no Sesc, no Senac e na UFAC, o que motivava os jovens a frequentá-lo conduzindo, assim assuntos daqueles órgãos para serem tratados no local.

Em documentos datados de set. e Nov. 1981, sobre “atuação de militantes e ex-militantes de organizações subversivas ligados a entidades religiosas”, o requerente foi citado como dirigente maior do Sesc/AC, mantendo ligações com o bispo da Prelazia do Acre/Purus.

Segundo registro datado de Nov. 1981, o requerente, delegado do Sesc/AC, atuante no processo de subversão naquele estado, estava envolvido na seleção de candidatos para serem agraciados com bolsas de estudo para curso na Itália, bolsas essas doadas pela “União dos Sindicatos da URSS”.

Ainda em nov. 1981, foi citado como ex-membro do PCB/RN, cuja atuação à frente do Sesc/AC, vinha se caracterizando pelo favorecimento à Organização Socialista Internacionalista (OSI), a qual fez imprimir, através da oficina gráfica do Sesc, panfletos da organização subversiva boliviana Movimento de  Isquierda Revolucionário (MIR).

De acordo com registros datados de fev. mar.  e abr. 1982, o requerente, ex-membro do PCB/RN, havia se tornado pessoa de grande importância para as atividades das organizações subversivas no Acre. O Sesc/AC, na sua administração vinha se tornando num verdadeiro centro de irradiação do movimento contestatório e subversivo no estado. Utilizava recursos financeiros e material de expediente do órgão, para fazer propaganda do ideário contra-revolucionário. Também, como delegado do Sesc/AC, desenvolvia trabalho junto aos frequentadores daquela repartição, com a finalidade de aumentar os adeptos da esquerda acreana.

Em documentos datados de set./dez. de 1982,  foi citado como simpatizante da OSI no estado do Acre, atuante no Sesc/AC, no SENAC/AC e na UFAC.

Em documento datado de dez. 1982, foram registrados os seguintes dados sobre a sua pessoa: delegado do Sesc/Senac e professor da UFAC; militante do PCB/AC; foi presidente do Diretório Acadêmico da Fundação José Augusto e do Cine Clube Nordeste; foi componente do Comitê Municipal do PCB/natal/RN, tendo pertencido ao PCE e ao PCBR; após 1964, participou de um festival Cultural, realizado na cidade de Areia/PB; atuava, juntamente com outro, com líderes subversivos no meio estudantil; teria impresso em sua gráfica, em Natal/RN, panfletos de cunho comunista; e. quando em sala de aula procurava identificar agentes do DPF, fazendo questão que o pessoal presente soubesse da existência do policial como aluno.

Em 17 de jul. 1983, compareceu a um ato público na Praça Plácido de Castro, em Rio Branco/AC, em solidariedade aos trabalhadores rurais de Tarauacá/AC.

Participou do I Encontro Estadual de Assistentes Sociais, realizado em Rio Branco/AC, nos dias 12 e 13 set. 1983, ocasião em que discorreu sobre o tema “A Organização Sindical no Brasil e no Acre”.

Proferiu palestra abordando o tema Conjuntura Política do Brasil, no I Seminário dos Estudantes de Direito da UFAC, realizado em Rio Branco/AC, de 8 a 11 nov. 1983.

Em abr. 1984, foi relacionado entre os militantes da OSI no estado do Acre e com atuação na UFAC.

Seu nome constou da relação dos fundadores do PCB, conforme Manifesto Programa e Estatuto, documentação esta que o partido tentou publicar no Diário Oficial da União, de 29 maio 1984, requisito primeiro para se obter o registro provisório no Tribunal Superior Eleitoral  (TSE). Seu nome constou também da relação de militantes do PCB que assinaram o Manifesto de Fundação do partido, publicado no Diário do Congresso Nacional, nº 61, de 8 de jun. 1984. Figurou ainda na relação dos fundadores do PCB, publicada no jornal Voz da Unidade, de nº 203/84.

Segundo documentos datados de out. 1984 e jun. 1985, o requerente, ex-delegado Regional do Sesc/Ac, encontrava-se em São Paulo/SP, frequentando curso de mestrado na Universidade de São Paulo (USP), com duração de dois anos, residindo na Rua Wanderley, nº 637, apto 128 – Bairro Perdizes. Ainda, de acordo com o documento de out. 84, quando se deslocava para Rio Branco/AC, participava ativamente das manifestações e movimentos contestatórios ali deflagrados e, em suas aulas como professor de Sociologia da UFAC, tinha por hábito identificar agentes ou funcionários da SR/DPF/AC.

Em 22 mar. 1985, por ocasião do lançamento oficial da “organização-de-frente do PCB”, denominada Instituto Cultural Roberto Morena, evento realizado na Câmara Municipal de São Paulo/SP, foi feita a entrega simbólica das propostas dos primeiros sócios da entidade, entre eles o requerente.

Seu nome constou da relação de fundadores do PCB, conforme Manifesto, Programa e Estatuto do partido, publicado no D.O.U. de 8 de maio 1985.

Em 12 de jul. 1985, como membro da CDRP/AC, coordenou a solenidade de lançamento do partido naquele estado, em evento realizado em Rio Branco/AC, no auditório da Secretaria da Indústria e Comércio/AC.

Na Convenção Municipal do PCB de Rio Branco/AC, realizadas em 15 ago. 1985, teve seu nome homologado para concorrer à prefeitura daquela capital, nas eleições de 15 nov. daquele ano. Segundo documento datado de out. 1985, o requerente, mesmo possuindo experiência administrativa comprovada, não tinha expressão eleitoral na capital acreana.

Foi relacionado entre as pessoas que participaram ativamente da greve dos motoristas, cobradores e mecânicos da empresa de ônibus Viação Rio Branco, de Rio Branco/AC, deflagrada em 9 out. 1985, no seu caso, inclusive aproveitando do movimento para se promover como candidato a prefeito de Rio Branco pelo PCB.

Nas eleições de 15 nov. 1985, foi candidato a prefeito de Rio Branco/AC pelo PCB, tendo obtido 341 votos, não conseguindo se eleger.

Esteve presente ao Ativo nacional do PCB, realizado nos dias 7 e 8 dez. 1985, em Brasília/DF.

Compareceu à festa do 64º aniversário do PCB e 6º aniversário do jornal Voz da Unidade, comemoração denominada “3º Festão da Voz”. Levada a efeito no Parque de Exposição da Água Funda. Em São Paulo/SP, de 11 a 13 abr. 1986.

Foi relacionado entre as lideranças do movimento grevista dos bancários deflagrado em Rio Branco/AC, em set. 86.

Nas eleições de 15 nov. 86, foi candidato a deputado estadual pelo PCB, tendo obtido 19 votos, não tendo sido eleito.

Tendo em vista a prisão em flagrante, no dia 24 jun. 1987, do jornalista do extinto jornal Folha do Acre, o chargista Emanoel Cândido do Amaral, no Aeroporto de Fortaleza/CE, transportando aproximadamente 1,5 quilo de cloridrato de cocaína, o requerente fez publicar no jornal O Rio Branco, de 5 jul. 1987, um artigo de sua autoria intitulado “A Hora e Vez de Emanoel, a Vítima”. Na matéria, o mesmo fez “apologia ao narcotraficante”, delineando uma trajetória de parte da vida do chargista traficante”, desde quando o conhecera e que ao ficar sabendo de sua prisão, em Fortaleza/CE, “fica indignado... deparo-me com manchetes escandalosas e difamantes... ele foi vítima de uma insidiosa e ardilosa trama... nunca Emanoel esteve envolvido em atividades escusas”.

Foi delegado efetivo do Acre, ao VIII Congresso (Extraordinário) do PCB, realizado no Centro de Convenções de Brasílai/DF, entre os dias 16 e 19 jul. 1987.

Em um “Relatório sobre as Atividades do PCB” referente ao ano de 1987, no item “Organizações de Frente e Empreendimentos” do partido, foi ligado à Revista Novos Rumos, vinculada ao Instituto Astrogildo Pereira, com periodicidade trimestral, figurando como um dos membros do seu Conselho Editorial.

Por ocasião de uma reunião do Comitê Central do PCB, realizada em São Paulo/SP, nos dias 30 set/1º out. 1989, foi efetivada a sua composição, tendo o requerente figurado entre os seus membros suplentes.

É o que consta nos arquivos sob custódia da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Brasília/DF, 13 de abril de 2005.



Nas minhas memórias, parte em que relato às minhas atividades políticas de oposição à Ditadura Militar (1964-1985), eu dou a minha versão sobre alguns fatos e assuntos que se encontram arrolados neste dossiê que me foi  franqueado pela ABIN. Desde logo eu devo adiantar que nele estão abrigadas algumas mentiras, verdades e também ficção ao meu respeito que, no tempo devido, certamente eu terei de esclarecer. Diante, todavia, do que consta no documento, fica explícito o risco que todo individuo corre nos regimes políticos em que a liberdade é cerceada. A liberdade a meu ver é substantiva, não tem cores e não está à venda, sua defesa nos leva a luta permanente, sem tréguas contra a tirania das ditaduras políticas e religiosas; e mais, a nos manter sempre alertas diante dos simulacros, pretextos, imposturas e artimanhas forjados contra ela, vez ou outra, pelas democracias; haja vista à corrente, banalizada e autoritária concepção panóptica, à la big brother,   na qual está implícito o perigoso  preceito de que:  “o preço da liberdade é a eterna vigilância”.

Um comentário:

Pedro Vicente Costa Sobrinho disse...

Comentários ao Dossiê dos Informantes da Ditadura Militar sobre Pedro Vicente Costa Sobrinho
Olá! Pedro
Acabei de ler teu artigo, estarrecedor como se comportava os órgãos de informação naquela época. Foram tantos absurdos, mas o mundo dos poderosos se sustenta desta forma. A humanidade ainda precisa humanizar-se. Abraço Rosa Matilde (Brasília).

Recebi o seu e-mail e li o trecho do texto que colocou no blog a respeito da vigilância da dita cuja em cima de você. É impressionante como essas coisas são feitas e o amargo é verificar que isso foi realizado com preconceito que lembra o fascismo. Luiz Eduardo Pedroso (Rio Branco-AC).

Olá, Pedro Piedra,
Conferi a publicação que vc fez em seu blog sobre a espionagem-devassa da ditadura militar. Sem surpresas, é verdade, aplaudo seu gesto, que vale muito para sua/nossa história. Regina Machado (Rio de Janeiro).

Caro Pedro
E eu convivendo com tal indivíduo de altíssima periculosidade, catzo, até frequentando o aparelho da Rua Wanderley, 637, SP! Mas a pior dúvida é: ao frequentar o Casarão não sei em qual categoria me incluíam os arapongas: se pederasta, xibungo, prostituto, qualira viciado ou pessoa de esquerda. Prostituto deve de ser o Élson Martins, já que não incluíram jornalistas aí. Na lista... ou o Lhé (há!há!há). Vou passar isso pra Leila, ela vai rir a bessa.
Como eles iam saber a diferença se à noite todos os gatos são pardos e eu que já sou pardo de nascença??..E mais: eu também mantinha ligações com Dom Moacyr, o prelado acre-puruense, desde 1962.
O que mais intriga é como eles continuavam a bisbilhotar mesmo depois de 84, 85, 86 já após queda da ditadura, carai! Dá pra entender. Vou procurar minha ficha, se é que alguém se importou comigo. Aí me frustro (rsrs). Pô, Pedro, mas 19 votos com essa atividade toda...catzo? E por onde anda o Pedroso? ABS, Antonio Marmo. (Ubatuba-SP)

Caro Pedro,
Creio que a publicação do dossiê (parcial) a seu respeito é oportuna pelos motivos óbvios: lançar um pouco mais sobre os desvãos da ditadura, sobretudo em suas agências clandestinas, semiclandestinas, secretas etc., além disso, você emerge como vítima e como vencedor da luta (desigual) que travou. Assim, vale o dito: publique-se. Fiz pequenas correções pontuais. Abraços, Nelson Patriota (Natal-RN).

Meu caro Doutor:
Li seu post sobre os arquivos do setor de “inteligência” do estado. Pelo jeito eles registraram bem menos do que podia ter sido. Porém, o que interessa é que seu e nosso trabalho cumpriu sua função e o regime militar teve de devolver o governo à sociedade civil. Miguel Ortiz (Rio Branco-AC).