segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Memórias. Varal das Lembranças: O que não esqueci sobre minha saída da Delegacia Executiva do SESC no Acre - 30 anos depois (1982-2012)- Pedro Vicente Costa Sobrinho



Turma do SESC: Gleide, Avelino, Neide, Rose, Luis Alberto, Socorro, Jorginho, Magnólia e Terezinha Mansur 

Em abril de 1978, a convite do amigo Jaime Ariston, eu chequei a Rio Branco com o firme propósito de morar definitivamente no Acre. Esta decisão foi movida por dois fatos essenciais: assumir a Gerência de Bem Estar da Delegacia Executiva do SESC no estado e, sobretudo, o alentado desejo de iniciar-me na carreira acadêmica através do ingresso na Universidade Federal do Acre.

Em Natal, mesmo exercendo  cargo técnico com boa remuneração no Instituto de Desenvolvimento Econômico (IDEC), o acesso à Universidade Federal do Rio Grande do Norte me estava vetado pela Assessoria de Informação da  UFRN (ASI), devido as minhas atividades políticas que, para o citado órgão, eram então consideradas subversivas. Com relação   a esse impedimento, eu fui até mesmo advertido pelo meu professor e amigo Jardelino Lucena, que inclusive comprometeu-se  a me proporcionar uma   bolsa de estudos da CAPES, disponível no Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, do qual era seu diretor, para cursar  programa de  mestrado em qualquer universidade do país. As minhas atividades políticas e o meu envolvimento na luta de oposição a ditadura eram notórios. Participei do movimento estudantil ao dirigir o Diretório Acadêmico Josué de Castro da Faculdade de Sociologia e Política; no movimento cineclubista como vice-presidente do Cine Clube Tirol e ao presidir a Federação Nordeste de Cine Clubes; como presidente da Associação dos Sociólogos do Rio Grande do Norte; na oposição política aberta  ao regime militar através do MDB, e clandestinamente como um dos dirigentes locais do Partido Comunista Brasileiro. Por várias vezes havia sido detido na Polícia Federal para prestar esclarecimentos ou sob a acusação direta de atividades subversivas.  Com uma folha corrida dessa ordem, difícil seria ingressar via concurso na UFRN.

No Acre, a meu ver, seria mais fácil o meu acesso à Universidade, pois além da escassez de mão obra qualificada para o ensino superior eu alimentava a crença de que os órgãos de segurança não tinham ainda um sistema de informação capaz  de acompanhar a movimentação de pessoas pelo nosso continental país; a não ser que houvesse uma denúncia específica com relação a atividade política de um determinado indivíduo. Em Natal, pelo que eu sei, foram raras as pessoas que se prestaram a cumprir o papel de informante da ditadura, o dedurismo na cidade certamente não prosperou.
 
A previsão minha e de Jaime Ariston revelou-se então verdadeira, pois assumi a Gerência de Bem Estar do SESC em abril de 1978, um mês depois, no dia primeiro de maio eu fui admitido como Professor Colaborador T-20, regime de 20 horas semanais de aulas na UFAC, instituição a que estive vinculado por quase 15 anos. No SESC minha relação de emprego foi mais curta, 5 anos. O meu projeto de vida era me desvincular oportunamente do SESC para me dedicar com exclusividade à carreira acadêmica. Cursar o mestrado e doutorado e ainda tornar-me pesquisador e escritor de  tempo integral faziam de parte do  ambicioso sonho que cultivei durante anos. Apesar dos riscos que corria  por não me afastar de minhas atividades intelectuais e políticas de oposição à ditadura, eu não esperava jamais a acusação de ser  um reles descuidista  que, sem qualquer amor próprio e ao meu passado,  havia me apropriado de valores irrisórios dos cofres da instituição. A denúncia furada de peculato foi um mero disfarce para encobrir a trama política que resultou na minha demissão no ano de 1982 do SESC. Ainda bem que a Comissão que  o Departamento Nacional designou para apurar os fatos era composta de homens competentes e sérios; lembro-me ainda dos nomes de Juvenal Fortes, Afrânio, de quem eu tinha particular admiração, Francisco Pena e outro Francisco, o  Caruso. A declaração final de Juvenal Fortes, quando procurado pelos jornais do Acre, calou fundo sobre as especulações que então circulavam, pois ele informou que não havia nada que me implicasse em malversação de recursos do órgão no Acre. Cabe realçar que eu também contei com a importantíssima solidariedade de amigos jornalistas, sobretudo do saudoso José Leite, já falecido, e de Luis Carlos Moreira Jorge, redatores do jornal “O Rio Branco”, com os quais contraí uma dívida impagável pelo muito que por mim fizeram naquele episódio que eu considero o pior momento de toda minha vida.  

José Chalub Leite, grande nome da imprensa da Amazõnia


Como parte dos esclarecimentos que fiz nesta carta aberta que ora posto em meu blog,  somente agora  faço um relato sobre dois fatos que  eu ainda não havia tornado público. Logo que tomei conhecimento do que vinha ocorrendo no SESC e que o principal envolvido nas denúncias junto à direção nacional  era o então senador Jorge Kalume,  candidato ao governo do Acre, eu procurei o amigo José Rêgo, à época ele era vice-governador do estado, e pedi-lhe que me ajudasse a agendar uma audiência com Kalume para esclarecer alguns questões. Rêgo se propôs a mediar esse  encontro por mim solicitado. Logo ao sair dessa visita a José Rego, eu comecei a refletir e a repensar sobre o que havia pedido ao amigo, porque, a bem da verdade, eu não tinha nada pra conversar com Kalume. Dois dias depois, eu telefonei e pedi a Rêgo que nada fizesse para motivar a tal audiência, e então ele me confidenciou que eu havia certamente tomado a melhor decisão, pois Kalume não era de ouvir ninguém. E relatou-me que havia interferido por outro amigo, a quem Kalume havia pedido e obtido sua demissão do INCRA, e marcado  audiência pra que houvesse uma conversa  franca e reservada entre eles. No tal encontro, Kalume havia de modo grosseiro recebido esse amigo, e fez-lhe aos gritos  acusações de ordem política e pesadas admoestações, e que, portanto, a  sua iniciativa conciliatória resultara em nada.

Jorge Kalume: ex-governador biônico do Acre, nomeado pela Ditadura Militar
 
Em 2002, numa viagem que fiz a Rio Branco para proferir palestra na Universidade Federal do Acre e lançar meu livro Comunicação Alternativa e Movimentos Sociais na Amazônia Ocidental, fui procurado pelo amigo Aroldo para conduzir certa encomenda da reitoria da UFAC e, ao passar em Brasília, fazer sua entrega ao professor Áulio Gélio, ora representante da universidade junto ao MEC. No aeroporto, o professor Áulio, ex-reitor da UFAC, com quem sempre mantive boas e cordiais relações pessoais e profissionais.  Nesse rápido encontro, em Brasília, Áulio então me contou que, em 1982, foi procurado por Kalume, e que ele na oportunidade havia exigido minha demissão da universidade. Áulio disse-me que havia a ele ponderado, alegando que eu era notoriamente reconhecido como um dos bons professores da universidade, e nada existia que desabonasse meu trabalho e minha conduta na instituição.  Kalume disse-lhe que nada a tinha a conversar, e que minha demissão era pra ser feita. Áulio disse-me que mudou de conversa, não cumpriu a “ordem”  e  procurou evitar um novo encontro com o senador, e ficou bem mais aliviado quando Kalume foi derrotado nas eleições para o governo do Acre.  Naquele momento, a minha demissão da UFAC teria como consequência a abertura de uma lacuna incontornável na minha formação e carreira acadêmica e, talvez, poderia até provocar minha saída do Acre, por falta naturalmente de alternativa de emprego.  Ao professor Áulio Gélio, eu fiquei a dever esse gesto de profundo apreço solidariedade, feito em silêncio, anônimo e espontâneo como assim decerto devem proceder as pessoas que abonam e dignificam pelo seu comportamento a condição humana. Vamos a então tal carta que ora posto trinta anos depois da ocorrência dos fatos nela narrados, naturalmente, com algumas correções que não alteram o seu inicial teor, precedida pelo texto introdutório à matéria de lavra do redator-chefe do jornal “O Rio Branco”, 31 de dezembro de 1982.

Na parte central da foto: Prof. Áulio Gélio, ex-reitor da Universidade Federal do Acre
 
Ex-Delegado cita Brecht e dá sua versão

 “O ex-delegado regional do SESC, Pedro Vicente Costa Sobrinho, afastado há poucos dias da função, encaminhou, ontem, uma carta a este jornal dando sua versão dos fatos que levaram à sua demissão. Pedro Sobrinho começa a carta parafraseando Bertolt Brecht para lembrar que "há pelo menos cinco dificuldades para escrever a verdade”  e que, no caso do SESC, ele se considera "vítima de uma trama com profundos reflexos de natureza existencial e abalo de credibilidade pública.

Ao longo de 10 laudas datilografadas, o ex-delegado do SESC mostra os antecedentes da crise administrativa que se verificou na entidade, segundo ele, a partir de algumas demissões, uma das quais, a do servidor "Chumbinho", o marcou profundamente "pois o considerava meu amigo, havendo certa identidade de ordem política e intelectual com o mesmo". A partir dessas demissões, surgiram as denúncias que culminaram com a sua própria demissão e mais de dois diretores: Miguel Ortiz e Luiz Alberto Barbosa.

Primeiramente apresentadas ao Departamento Nacional do SESC, as denúncias, posteriormente, ganharam conotações políticas e chegaram ao senador Jorge Kalume, numa reunião no Palácio Rio Branco. Pedro Vicente Costa Sobrinho foi acusado de cometer irregularidades administrativas, no primeiro caso, e de fazer pressões políticas contra o PDS, no segundo. As acusações desaguaram num inqué­rito aberto pela direção nacional do SESC.

Sobre o teor das mesmas, diz Pedro Vicente: "É muito difícil reter na memória, com detalhes, fatos de cuja lembrança fazemos questão de não preservar". Mesmo assim, ele as enumera em parte, procurando mostrar o quanto eram infundadas. Considerou-as "bisonhas" e de "um mau caratismo”  tão acentuado, só podendo ser fruto de uma mente mesquinha, burra e ingênua, um singular mentecapto”.

A carta, na íntegra é a seguinte:

 Ao parafrasear  o grande dramaturgo alemão Bertolt Brecht, que disse em ensaio seminal que há “cinco dificuldades para escrever a verdade”; eu me refiro a esse texto  para inferir que fatos e ocor­rências, dependendo do olhar  das pessoas que os narram, podem ter várias versões  e diferenciadas formas de tratamento, sem, contudo,  nada ter    a ver  com a  verdade, desde que o compromisso dessas pessoas não seja  superar as dificuldades para a escrever, e sim de astuciosamente escondê-la.  No caso específico do SESC, passo,  então, a dar a minha versão, que pode ou deve certamente conter erros decorrentes do meu olhar,  postura e avaliação de natureza pessoal, sem que, no entanto, afetem sobremaneira a minha honestidade e isenção para superar certas dificuldades para escrever a verdade  sobre a suposta “crise no SESC”, pois nela eu me considero vítima de uma trama, com profundos reflexos de natureza existencial e abalo de credibilidade pública. O que me motivou sobretudo a escrever esta carta pública foi o desejo de esclarecer fatos e evitar futuras especulações. Vamos a eles?

 ANTECEDENTES

 A denominada "Crise do SESC" teve início quando das demissões dos servidores Og Garcia Negrão e José Moreira Chumbinho, medidas exclu­sivamente de ordem administrativa. Os fatos que as motivaram foram acumulados ao longo do tempo. Das demissões, certamente a do servidor "Chumbinho", me marcou  profundamente, pois o considerava meu amigo, havendo de minha parte certa identidade de ordem política e intelectual com o mesmo, em que pese as diferenças e diversidades no trato de algumas questões essenciais.

A partir dessas demissões, os citados ex-servidores redigiram uma carta a Direção Nacional do SESC denunciando-me e ao Gerente de Bem Estar, Sr. Miguel Angel Suarez Ortiz, de procedimentos irregulares e desmandos na conduta administrativa do órgão no Acre. Entre as denúncias de memória, posso citar: perse­guição a servidores; mau trato no relacionamento; autoritarismo; utilização de servi­dores em serviços de ordem pessoal (Bar Casarão, quando de minha propriedade); uso indevido do veículo do órgão etc. Acompanhava a denúncia um abaixo-assinado de comerciários pedindo a readmissão dos dois.

A Direção Nacional, todavia, não considerou, então, a denúncia; contudo, pediu-me para justificar o pedido de demissão dos dois. Cabe realçar, todavia, que nunca foi inerente à minha prática de trabalho, o exercício do "suposto dedurismo". Sempre que demitia um funcionário, que foram poucos, fundamentava como incompatibilidade com o trabalho, alegando mera rotina administrativa. Da mesma maneira procedi no caso de Og e Chumbinho, relatando fatos plausíveis quanto ao desligamento de um de­les, e me negando enfaticamente a comentar o pedido do desligamento do outro.

A partir daí, considerei o assunto concluído, descartando qualquer possível repercussão, pois as denúncias foram por mim consideradas sem fundamento, pois tinha a consciên­cia tranquila dos meus atos. Sempre que me excedi em qualquer atitude, fui capaz de refletir e me dignar a reconhecer de público a injustiça praticada, pois "agredir de público e pedir desculpas em particular" é a prática notória dos insensatos. No en­tanto, para  me resguardar de possível especulação quanto a malversação de bens da entidade, que havia sido alegada na carta dos denunciantes, pedi declarações de servidores, sem qualquer pressão, de que nunca foram induzidos por mim à prática de atos desonestos ou de que me prestavam serviços de qualquer natureza sem a devida remuneração. De todos os servidores consultados, apenas um deles negou-se, isso por declarada incompatibilidade comigo.

Na condução da suposta "crise" eu reconheço que cometi vários erros, caracterizando assim a minha falta de habilidade no trato de fatos que careciam de maior firmeza e clareza de posição. Por exemplo, ao ser alertado de que o Gerente Administrativo, Sr. Luiz Alberto Fernandes Barbosa, havia feito reuniões em sua casa, com alguns servidores, para traçar estratégias de ação, cujo objetivo era o meu afastamento do cargo de Delegado, não adotei as providências devidas. Para cumprir compromissos assumidos com o SENAC, viajei a Manaus para ministrar curso de Métodos e Técnicas de Pesquisa, no período de 15 a 20 de outubro, mesmo desa­conselhado por amigos de que não devia fazê-lo, pois a coisa era mais séria por estar também relacionada com a disputa política e eleitoral ora no estado.

 EVOLUÇÃO DA CRISE

 Daí por diante as coisas evoluíram. Durante a minha ausência o Sr. Luiz Alberto Barbosa redigiu carta-denúncia à direção Nacional do SESC acusando-me de práticas desonestas (roubo) com os bens e recursos do órgão, que terei oportunidade de relatar mesmo que"de memória" mais adiante com maior riqueza detalhes. O mesmo reuniu também alguns servidores e provocou audiência com o senador Jorge Kalume, no Palácio do Governo, onde fui acusado levianamente sem direito a defesa.

Quando de minha volta a Rio Branco, precisamente no dia 21 de outubro, fui informado sumariamente dos fatos e de imediato procurei pessoas que considerava amigas, apesar de que com algumas delas não mantinha maiores laços de convivência.

A primeira pessoa a conversar foi com o Sr. Adonay Santos, pois sabia de suas relações de amizade com o senador Jorge Kalume, e procurei relatar os fatos de que eu tinha ciência. Surpreendeu-me, todavia, ao saber que o Sr. Adonay Santos conhecia com detalhes os acontecimentos, ou seja: a) Que eu estava fazendo campanha contra o senador Jorge Kalume; b) Que eu estava abrigando oposicionistas no SESC; c) Que eu havia obrigado a uma servidora retirar uma camisa com alusões de propaganda do PDS, especificamente com a marca do senador Jorge Kalume; d) Que eu proibi pessoas de ir a comícios do PDS; e) Que eu estava perseguindo servidores; f) Que  eu estava rou­bando o SESC; g) Que eu havia obrigado um servidor a ser Presidente do Diretório Municipal do PDT; h) Que eu havia criado o PDT dentro do SESC, e outras acusações de menos importância.

Na conversa com Adonay Santos comentei alguns fatos, e pedi ao amigo que, se possível, informasse ao senador Jorge Kalume que jamais utilizei o órgão para fazer campanha contra ele, ressalvando, no entanto, que também jamais faria campanha para ele, pois não concordava com os seus métodos e visão do mundo, e de que, enquanto eu estivesse a frente do SESC, todos os seus servidores seriam livres e desimpedidos para optarem abertamente pelas cores dos seus partidos, sem exceção, sem que isso merecesse qualquer atenção ou interferência de minha parte.

A outra pessoa a ser procurada foi o Sr. Elias Mansour, Chefe da Casa Civil do Governo do Estado. Elias foi muito claro em suas colocações, reafirmando de certo modo as acusações já relatadas pelo Sr. Adonay Santos, e narrando mais algumas coisas, cuja natureza mesquinha e intrigante era tão óbvia que deixo de registrar.

Os contatos políticos dos servidores, cujos nomes, apesar de saber, excuso-me de nominá-los, resultaram em ligação telefônica do senador Jorge Kalume para o Diretor-Geral do SESC e telex ao Presidente da Confederação Nacional do Comér­cio. Do Governador Joaquim Macedo, o senador Jorge Kalume exigiu igual procedimento.

Acusações de natureza política, somadas a de malversação de bens, do uso de métodos não condizentes com a "boa administração", e o favorecimento a pessoas formaram o corolário natural que desaguou na Comissão designada pelo SESC Nacional para apurar a veracidade dos fatos.

 O INQUÉRITO

 Fui ouvido pela Comissão do Departamento Nacional, no entanto deixei claro logo  de início, para os seus integrantes, que me recusava a responder a qualquer pergunta de natureza política, e de que não estava interessado em preservar o cargo, até porque já me considerava demitido, fosse qual fosse a conclusão do inquérito. Por outro lado, não aceitava nenhuma acusação de ação dolosa, como também não estava ali para fazer acusações a pessoas. E faria tudo para refutar as insinuações de utilização indevida dos bens do SESC.

Para surpresa minha, o somatório dos desvios e aplicações indevidas de recursos do órgão era de aproximadamente Cr$ 90.000.00 (noventa mil cruzeiros), quando o meu salário de Delegado Executivo era aproximadamente de 130 mil cruzeiros mensais. As acusações eram tão bisonhas e ao mesmo tempo elas continham um mau caratismo tão desregrado, só podendo ser fruto de uma mente mesquinha, burra e ingênua, um singular mentecapto.

E muito difícil reter na memória, com detalhes, fatos de cuja lembrança fazemos questão de não preservar. Já dizia o sábio detetive Sherlock Holmes, personagem do escritor Conan Doyle, de que só devemos guardar na mente informações que nos interessam. Apesar de já ter esquecido parte das acusações, pois não pude reter cópias do inquérito instaurado, já tendo inclusive requerido à Direção Nacional, sem sucesso, o inteiro teor das denúncias, para resguardar possíveis insinuações futuras. Faço enorme esforço para tornar público o que interessa: a) Pagamento de certo valor a determinada pessoa, sem que ela houvesse prestado serviços ao SESC, e nem sequer ser conhecida no órgão. Acusação refutada com declaração do próprio punho da pessoa envolvida; b) Outra acusação, de igual natureza, envolvendo a compra de quadro de um pintor acreano; foi refutada com a apresentação do quadro do pintor afixado na Secretaria do Gabinete do Delegado; c) Acusação de que foram pagos diversos recibos por serviços prestados a um tal de Medeiros, que segundo as alegações era personagem fictícia, criada pelo Delegado para embolsar recursos do órgão. Constatou-se que o tal "Medeiros" tratava-se do conhecido desenhista "Branco", que fazia serviços de ilustração de boletins e cartazes do SESC; d) Que alguns cheques de serviços prestados foram depositados na conta do Delegado, no Banco Itaú, caracterizando a apropriação indébita. Foi comprovado, pela Comissão, que os cheques citados tiveram o endosso do denunciante, provando no mínimo cumplicidade. A verdade é que nos dois casos citados, por atraso natural dos trâmi­tes burocráticos normais, e por certa urgência do prestador de serviço, ou mesmo de quantia para cobrir certas despesas, o Delegado havia adiantado do próprio bolso os valores, como ficou  soberbamente comprovado.

Há mais algumas acusações de igual teor e monta, todas, no entanto, devidamente esclarecidas, concluindo-se daí a quebra de certas normas de procedimento, mas nunca atitudes lesivas aos recursos e bens do órgão.

A acusação de que servidores prestaram serviços pessoais ao Delegado sem a devida remuneração, foi refutada com declarações dos arrolados, e com os recibos assinados de que haviam recebido o pagamento pelos referidos serviços.

Refutadas e respondidas às acusações de uso indevido dos bens e recursos do órgão, me tranquilizei. A alegação de ordem política recusou-me a responder, porque se tratavam de mentiras deslavadas e coisas de pouca relevância.

 PONTO FINAL

 Por último, quero informar ao povo acreano, aos comerciários, aos amigos e alunos em particular, de que não me envolvi em nenhum momento na campa­nha política. Não vou posar agora de afinado e combativo integrante do grupo que venceu as eleições no Estado. A minha postura e consciência democráticas não são frutos de situações conjunturais ou de oportunidades, pois foram tecidas ao longo do tempo, resultantes de minha prática de vida, sempre consequente, dentro dos limites de minhas reais possibilidades, na denúncia a qualquer tipo de opressão.  

Resta-me pedir que avaliem honestamente o trabalho que realizei a frente do SESC. O apoio que procurei dar a todas as iniciativas culturais. O relacionamento possível com a imprensa e órgãos públicos, sem nunca esconder as suas reais e efetivas participações no sucesso dos eventos. Também gostaria de realçar que sempre procurei manter-me no anonimato, não vinculando através da imprensa o meu nome ao SESC.     

Concluindo, quero afirmar que a verdade dos fatos é esta. É claro que algu­mas coisas de menos valia foram omitidas por não serem relevantes, outras por aprofundarem feridas, que por si só, no estágio atual, são difíceis de cicatrizarem.

Como fecho, transcrevo trecho do artigo do cientista Rogério Cerqueira Leite: "... é notável como ainda hoje, 60 anos após a descoberta do austrelopitecus, não foi assimilada, mesmo marginalmente, as ambiguidades do dogma da primazia da inteligência, o que é compreensível, pois se admitirmos que a postura é a essência do homem encontraremos dificuldades conceituais ainda maiores. Como explicar essas espécimes rastejantes e servis que abundam a humanidade? E esses exemplos infames, mais próximos dos vermes do que dos grandes antropóides? A essência do homo sapiens não é, por certo, a dignidade, pelo menos por enquanto".

 
Nota: Ao ser postado neste blog a versão original sofreu algumas correções de linguagem e adequações na sua estrutura expositiva. Nada, porém, que viesse a alterar o conteúdo do texto que foi publicado no jornal “O Rio Branco”, no dia 31 de dezembro de 1982.

Um comentário:

Anônimo disse...

È costume de um tolo, quando erra, queixar-se do outro. É costume do sábio queixar de si mesmo.