segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Memórias. Varal das Lembranças: O que não esqueci sobre a presença do cientista Rômulo Argentière em Natal – Pedro Vicente Costa Sobrinho.


Rômulo Argentière (1916-1995)

Conheci de rápido e superficialmente o cientista Rômulo Argentière, salvo engano, nos anos de 1965 e 1966. Não sei o que estava ele precisamente fazendo em Natal, mas suponho que prestando consultoria para firmas que exploravam minérios no Rio Grande do Norte. O que motivou este encontro foi um curso de pequena duração de Iniciação a Astronomia, promovido pela  Associação de Astronomia do Rio Grande do Norte, que ora ele lecionava sob a forma de conferências semanais. A turma que frequentava a Academia das Cocadas e o Cine Clube Tirol fazia parte de seu público mais assíduo. O ponto de encontro era a Praça John Kennedy, pra nós das Cocadas, de onde saíamos a caminhar geralmente em grupo em direção às ruas Açu ou Jundiaí, e daí até a Fundação José Augusto, em cujo auditório pomposamente chamado de salão dos grandes atos, o curso estava sendo ministrado. Da turma, lembro-me ainda de Juliano Siqueira, Manoel Onofre, Hélio Brucutu, Zé Neguinho, Pelé, Emmanuel Bezerra, Kerginaldo e o bispo Inácio, mas, suponho, que ainda outros da confraria certamente também frequentaram o referido curso.

As conferências que Rômulo proferia, sempre às segundas feiras, tratavam de assuntos científicos em geral, sobretudo relacionados com os novos conhecimentos do universo, recentemente revelados pelas pesquisas dos russos e americanos através de seus satélites e vôos tripulados ao espaço sideral. Tive  ainda a oportunidade de assistir brilhante exposição que ele fez da tese do professor Antonio Soares, astrônomo amador, na qual ele havia formulado a hipótese da existência de outro satélite da terra, isto é, outra lua girando em torno do nosso planeta, como a causa de certos fenômenos, por exemplo, movimentos de marés etc., para os quais ainda não tinha explicação científica. Para satisfazer à curiosa, óbvia e até simplória pergunta: - Por que ninguém ao olhar pro céu jamais  observou esta suposta segunda lua e o seu luar? - a resposta imediata e fácil era de que este suposto satélite encontrava-se oculto pelo seu parceiro-irmão maior, por detrás dele. A hipótese foi, todavia, facilmente refutada quando os russos obtiveram fotografias do outro lado do nosso satélite, e ele na sua face oculta nada tinha a nos esconder. Restou-nos à época, talvez, lamentar e concordar com os versos de Gilberto Gil em sua canção Lunik 9, pois todos estavam abismados e perplexos diante das novas conquistas da ciência: Poetas, seresteiros, namorados correi, /é chegada a hora de escrever e cantar/ talvez as derradeiras noites de luar.  Argentière foi grande amigo do saudoso Vingt-Un Rosado Maia, e também privou da amizade do mestre Luis da Câmara Cascudo. Publicou cerca de 30 livros, entre eles: Átomos e Estrelas, A Terra, O Sol e os Planetas e Astronáutica, e muitos artigos científicos e de divulgação da ciência. Cabe ainda realçar que Rômulo Argentière revelava facilmente pelo seu discurso que era um homem de perfil nacionalista e de esquerda, e dele eu guardei então essa imagem.

1968, em dezembro, depois de breve estadia em Moscou, eu voltei a Natal. Anos vieram de dura repressão política, muitos amigos e companheiros de militância de oposição à ditadura militar haviam sido presos, ido pra clandestinidade ou constrangidos a sair da cidade, e alguns até haviam feito opção pela luta armada contra o regime. A diáspora imposta pelo ditador Garrastazu Médici afastou do convívio muitos habitantes da academia das cocadas, do Cine Clube Tirol, da Universidade etc., entre outros: Luciano Almeida, Juliano Siqueira, Emmanuel Bezerra, Gercino, Ivaldo Caetano, Cláudio Gurgel, Rinaldo, Jaime Ariston, Kerginaldo e Gileno Guanabara. Tudo ou muito havia mudado na paisagem humana de antes.

Em 1979, já morando no Acre, eu comprei numa livraria do Rio de Janeiro uma edição novinha da Dialética da Natureza, de Friedrich Engels, e para minha surpresa o crédito da tradução do inglês era atribuído ao cientista Rômulo Argentière.   Salvo engano, a tradução do alemão para língua inglesa da obra clássica de Engels fora feita pelo famoso biólogo e geneticista britânico John B. S. Haldane, e que provavelmente Rômulo o havia conhecido nos seus anos de estudos na Europa.

 1992, com meu retorno de Rio Branco para Natal, eu tive notícias de que Rômulo Argentière estava pelo Nordeste e não raras vezes poderia ser visto nas ruas da cidade. Em 2002, no meu já usual garimpo que faço todos os anos nas livrarias e sebos de São Paulo, eu adquiri de meu amigo Licurgo, dono do sebo Cruzeiro do Sul, um exemplar da clássica obra do biólogo russo F. Oparin, A Origem da Vida, traduzida por Rômulo Argentière. Ao abrir naturalmente o livro para verificar seu estado de conservação interno, fiquei surpreso por encontrar nele inserido uma cópia xerografada de página de revista que trazia artigo de Pablo Villarrubia Mauso, no qual o autor esboçara discreto perfil de Rômulo e informava sobre sua morte em 1995, em Carnaúba dos Dantas, cidade do interior do Rio Grande do Norte. Guardei a cópia em meus arquivos para um possível uso. Ano passado, no blog: Física e Astronomia, eu li importante artigo de Alexandre Medeiros, professor de Astronomia e História da Física da Universidade Federal Rural de Pernambuco, no qual ele resgata com mestria o significado deste grande físico e geólogo no âmbito da pesquisa e da ciência no Brasil. Mais recentemente, ao editar a revista da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras Nº 37 – Vol. 49 – Dezembro/2011, ao ler e revisar a correspondência de Ático Vilas Boas da Mota com o mestre Luis da Câmara Cascudo, eu encontrei de Cascudo referência, datada de 1974, muito carinhosa ao conceituado físico e geólogo. Procurei e encontrei o recorte de tal revista que malgrado eu sequer sei o nome, e resolvi que oportunamente postaria em meu blog o artigo de Villarrubia e também trecho da carta entre Cascudo e Ático, como homenagem a Rômulo Argentière, esse grande cientista e escritor pioneiro da literatura de divulgação científica no Brasil. Espero dentre em breve me comunicar com Alexandre Medeiros, para solicitar autorização para que eu possa postar também o seu artigo em meu blog.  Vamos então ler agora os  textos que eu fiz alusão.

 

Quem foi?

RÔMULO ARGENTIÈRE - Pablo Villarrubia Mauso.

 

Ele sonhava com viagens espaciais numa época em que elas eram consideradas loucura. Previu as explosões atômicas e os satélites artificiais, pesquisava a utilização de energias alternativas quando isso não passava de uma utopia. Não estamos falando de Júlio Verne, mas de um cientista brasileiro: Rômulo Argentière, um dos maiores divulgadores científicos que o país já teve. Genial e versátil, escreveu livros e artigos que trataram de assuntos tão diversos quanto a química, a teoria da relatividade e a astronomia. Morreu pobre, doente e praticamente esquecido no sertão nordestino.

As amizades que Argentière acumulou, hoje são mitos da ciência. Foi aluno de Madame Curie (física polonesa ganhadora do prêmio Nobel por duas vezes), conheceu um Werner Von Braun (cientista alemão pioneiro das pesquisas com foguetes que esteve à frente do programa espacial americano, nas décadas de 50 e 60) ainda muito jovem, trocou correspondência com Einstein e com numerosos físicos da Academia Soviética de Ciências. Sua facilidade com os idiomas – falava oito línguas fluentemente – abriu-lhe as portas do saber.

Argentière nasceu em Amparo, São Paulo, em 1916. O adolescente do interior ansiava por voos maiores e conseguiu, em 1932, uma bolsa de estudos para a Escola de Física e Química, em Paris, dirigida por Madame Curie. Voltou com um diploma de engenheiro de minas e um conhecimento extraordinário sobre pesquisa nuclear, em que foi pioneiro no Brasil.

Esse conhecimento causou-lhe problemas com as autoridades. Em l943, escreveu um artigo jornalístico que antevia o uso da energia nuclear como elemento de destruição. Chegou até a explicar os princípios da bomba atômica, que, naquela época, era um alto segredo de Estado dos países aliados – a destruição de Hiroshima só ocorreria dois anos mais tarde.

“Fui levado a interrogatório pelas Forças Armadas, mas me safei com a lógica: havia lido em algumas revistas especializadas da Inglaterra, às quais tinha acesso, que os cientistas norte-americanos estavam tentando separar o urânio 235 do urânio 238. Eu, como especialista, deduzi rapidamente que isso poderia desencadear uma grande liberação de energia que, possivelmente, seria usada com fins bélicos”, escreveu Rômulo, nesse trecho de uma das suas últimas cartas.

Mas a perícia em energia nuclear rendeu-lhe também algum reconhecimento. No final da década de 1940, Argentière foi consultor do Exército Brasileiro para questões que envolvessem a manipulação de minérios radioativos. Em 1950, redigiu o anteprojeto que criaria, seis anos depois, a Comissão Nacional de Energia nuclear (CNEN). A partir desse ano e até 1960, coordenou diversas atividades de campos da comissão. Apesar de trabalhar para o governo, Argentière era um crítico do programa nuclear brasileiro, em especial das usinas de Angra dos Reis. Uma de suas paixões era o Nordeste brasileiro, onde esteve pela primeira vez em 1943, enviado pelo governo de Getúlio Vargas para acompanhar especialistas norte-americanos em busca de minérios para a indústria bélica daquele país. Desde então, passou a viver parte do ano no Nordeste como consultor e pesquisador de empresas de mineração. Foi em Carnaúba dos Dantas, Rio Grande do Norte, que Argentière morreu, em 1995, debilitado por um derrame cerebral e três acidentes automobilísticos.

Ele é ainda hoje recordista de vendas na área de divulgação científica: mais de 30 títulos e 3 milhões de exemplares vendidos. Um dos seus livros levou muitos brasileiros ao espaço. Trata-se de Viagem à Lua, de 1947, no qual o cientista apresentava modelos de naves espaciais elaboradas por seus colegas russos e alemães. Essa obra, profética em alguns momentos, mostrou teorias que cumpriram na prática.
Rômulo Argentière e sua esposa
 
Trecho de carta de Luís da Câmara Cascudo dirigida a Ático Vilas Boas em que faz referência, em 1974, ao cientista Rômulo Argentiére:

 “O possante Argentière lotou minha salinha de livros, dando-me seu amável cartão, desvanecedor...”  

Um comentário:

Anônimo disse...

ELE É INTELIGENTÍSSIMO... ELE JÁ PREVIU A UTILIZAÇÃO DE ESTAÇÕES ESPACIAIS, O ÔNIBUS ESPACIAL E SONDAS ESPACIAIS, BEM COMO A LONGA PERMANÊNCIA DE ASTRONAUTAS EM ÓRBITA, COMO ACONTECERAM COM OS ASTRONAUTAS DE DIVERSOS PAÍSES DENTRO DAS SALYUT, DA MIR E DA ESTAÇÃO ESPACIAL INTERNACIONAL!!!!!!!